Reforma Trabalhista: ruim para o trabalhador, pior para a economia nacional
Que a reforma trabalhista é um dos maiores desastres do nosso tempo no que tange aos direitos históricos da classe trabalhadora, imagino que já seja ponto consensual. Acontece que uma face perversa dessa reforma está sendo pouco comentada e tem a ver com a concepção de Estado que se edifica, tipicamente presente na perspectiva neoliberal. Ou seja, tem-se por trás disso tudo a ideia de redução do tamanho do Estado brasileiro.
Em síntese, essa reforma trabalhista cria diversos mecanismos para o que Estado brasileiro arrecade uma receita menor. Se isso ocorre ele tem que diminuir a sua atuação social, cortando gastos – especialmente em saúde e educação, que é onde as elites mais gostam de cortar.
O primeiro exemplo é em relação ao imposto sindical. Ao decretar o fim desse mecanismo, o governo deixa de ter o que chamamos de uma arrecadação “parafiscal”. Isso porque do total do imposto sindical (um dia de trabalho descontado compulsoriamente do trabalhador por ano) 10% ia para o Ministério do Trabalho, ou seja, servia para financiar programas como seguro desemprego, abono salarial e ações de desenvolvimento de trabalho e renda.
Além disso, outra contribuição “parafiscal” importante para o Estado é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), uma “poupança compulsória”. O FGTS é um dos principais mecanismos de financiamento do investimento estatal.
A reforma trabalhista estipula que uma demissão de “comum acordo” acarretará uma multa menor do que a anterior. Ela agora está fixada em 20% sobre o montante depositado e o trabalhador somente poderá sacar 80%, sempre obrigado a escolher entre sacar esse valor ou aderir ao Programa de Seguro-Desemprego. A ampliação do tempo do trabalho temporário – que visa estimular esse tipo de contratação – também influencia na arrecadação do estado, uma vez que o trabalhador dessa modalidade não recebe multa sob o montante da conta do FGTS.
A reforma trabalhista acarreta também mudanças no que consideramos “salário”. Isso porque gratificações, adicional por produtividade, diárias, comissões, prêmios, abonos, enfim, diversas fontes de acréscimo na remuneração não serão mais consideradas no montante do “salário”, e, portanto não serão mais tributáveis (como já ocorre com a Participação nos Lucros e Resultados – PLR). Dessa forma, se esses rendimentos não serão tributados, significa menos recursos para o FGTS e para os benefícios da Previdência social, logo, para o Estado.
Em se aceitando a hipótese que proponho de que o objetivo principal da reforma trabalhista é reduzir o custo do trabalho, acompanhe esse raciocínio:
1) menores salários (como já comprovado com os trabalhadores terceirizados, de jornada parcial e sem registro em carteira)
+ somado com:
2) trabalhos que têm menor segurança de continuidade no emprego ou mesmo ausência de vínculo (como o trabalho intermitente e o contrato por tempo determinado);
+ somado com:
3) as formas alternativas de “burlar” a legislação trabalhista – como Pessoa Jurídica (PJ), Microempreendedor Individual (MEI) e autônomo;
= é igual a menores contribuições para o Estado, e, consequentemente, para a sociedade.
Explicando:
No primeiro caso, os encargos sociais incidem sobre percentual do salário; se os salários são menores, a arrecadação também cai.
No segundo, contribuições espaçadas e descontínuas, já que o trabalhador somente contribui quando está trabalhando, também impactarão as receitas da Previdência e do FGTS.
No terceiro, o valor que arrecada uma PJ, um MEI ou um autônomo para os encargos sociais é muito menor do que um trabalhador contratado em regime de CLT, uma vez que as alíquotas de contribuição no modelo denominado SIMPLES Nacional são mais baixas e sem a parte patronal.
Em um estudo recente, um grupo de economistas (1) fez uma estimativa de que cada profissional que deixa de ser celetista e passa a contribuir pelo SIMPLES Nacional deixa de arrecadar R$ 3. 727,06 por ano para a Previdência Social.
Por fim, quando os trabalhadores ganham menos ou gastam menos em função da insegurança quanto ao futuro, eles consomem menos. Como boa parte da tributação brasileira incide sob o consumo, isso também representa menor arrecadação de receita pelo Estado. Ao consumir menos, gera menos demanda para a indústria e para os serviços, os quais – sem compradores – reduzem a produção, e quando o fazem, mandam mais trabalhadores embora. Essa é a lógica da economia.
Essa pequena reflexão é apenas para desvendar que a Reforma Trabalhista é também uma transformação na concepção do Estado brasileiro, presente desde a Constituição de 1988, enfraquecendo seus pilares de arrecadação e retirando seus mecanismos de construção de políticas sociais.
Por Juliane Furno – doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.
Brasil de Fato