• 25 de novembro de 2024

Reforma não cria emprego, não melhora economia e afeta fundo público

 Reforma não cria emprego, não melhora economia e afeta fundo público

“Essa reforma não tem nada de construtiva, especialmente se pensarmos em relação a um projeto de nação e de desenvolvimento. Ela é só destrutiva. Destrói direitos e deixa o trabalhador em uma condição mais insegura e instável. Não indica a resolução de nenhum problema, pelo contrário. Irá desestruturar ainda mais o mercado de trabalho e afetar negativamente a dinâmica econômica”, disse o professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), José Dari Krein (foto abaixo), em entrevista ao Portal Vermelho.

De acordo com ele, do ponto de vista mais geral da economia, a reforma aposta em uma equivocada estratégia de competitividade “espúria”, pois busca a inserção das empresas na economia globalizada por meio do rebaixamento dos custos do trabalho, reduzindo direitos e salários.

“Essa é uma estratégia extremamente limitada. Qualquer país que queira se desenvolver ou construir uma economia mais complexa precisa apostar em uma competividade mais sistêmica, que passa por uma série de outros fatores, que têm a ver com política econômica, inovação e tecnologia, com uma estratégia de pesquisa e desenvolvimento, com infraestrutura, qualificação da força de trabalho e educação. Ou seja, essa reforma não ajuda a dar competividade à economia brasileira”, avaliou.

O professor é um dos pesquisadores responsáveis pela elaboração de um Dossiê divulgado pelo Cesit sobre a Reforma Trabalhista. O documento aponta e analisa as principais mudanças da reforma: formas de contratação mais precárias e atípicas; flexibilização da jornada de trabalho; rebaixamento da remuneração; alteração das normas de saúde e segurança do trabalho; fragilização sindical e mudanças na negociação coletiva; limitação do acesso à Justiça do Trabalho e limitação do poder da Justiça do Trabalho. (Leia aqui). A conclusão do estudo é que aos efeitos das alterações na legislação “serão nefastos em diferentes aspectos”.

Segundo Dari Krein, ao invés de melhorar o quadro, a reforma irá desestruturar ainda mais o mercado de trabalho do país. “O que vai acontecer é que se vai compartilhar os postos de trabalho existentes talvez por mais gente, mas precarizando todo mundo. Vai provocar uma redução de custos de trabalho em cima dos trabalhadores. E isso em uma sociedade já muito desigual, em que os salários já são baixos, em que 73% dos trabalhadores ganham menos de R$1,6 mil. Quem vai pagar isso é o trabalhador”, lamentou.

Mais empregos? “Balela”

Um dos argumentos utilizados pela gestão Michel Temer para justificar as mudanças é o de que as novas regras ajudariam a criar empregos e a retomar o crescimento econômico. Para o pesquisador do Cesit, contudo, isso não passa de “balela”.

Depois de quase três anos de crise, o Brasil tem hoje 13 milhões de desempregados e a economia continua a patinar, apesar do otimismo desmedido do governo. Krein previu que a reforma de Temer pode até ajudar a melhorar formalmente os indicadores de emprego, mas às custas da precarização.

“O que pode acontecer é dividir os empregos que existem. Com o contrato intermitente, ao invés de uma pessoa trabalhar 40 horas, agora uma vai trabalhar 10 horas, outra mais 10 horas, etc. Então pode até afetar a taxa de desemprego, mas, na prática, não melhora o mercado de trabalho, piora imensamente, porque a renda dessas pessoas vai ser insuficiente para viver. Elas vão ter que buscar outras ocupações”, detalhou.

Em 2015, dois estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) constataram que não há comprovação empírica de que a flexibilização da legislação trabalhista melhore o nível de emprego, pelo contrário. Segundo informa o dossiê do Cesit, em países onde a desregulamentação cresceu, o nível de desemprego aumentou no período; onde a regulamentação se intensificou, o desemprego caiu no longo prazo.

“Da mesma maneira, os estudos enfatizam que, do ponto de vista macroeconômico, as estratégias de flexibilização acentuam de forma mais rápida a destruição de postos de trabalho em períodos de crise, de modo que a retomada posterior da atividade econômica, quando ocorrer, não será suficiente para repor os empregos perdidos”, cita o documento.

Krein ressaltou que a dinâmica do emprego não depende da rigidez ou não das leis trabalhistas, mas de outros fatores, como a situação geral da economia e políticas de inclusão. “Por exemplo, no pós-guerra, quem foi o segmento que mais criou empregos? Foi o setor público, a partir do momento em que você universalizou os serviços de saúde e educação, que emprega muita gente. Já vi até gente mais liberal dizendo que essa não é reforma feita para gerar emprego, porque sabe que isso não tem comprovação”, declarou.

Dinamitando o mercado interno

O professor da Unicamp destacou ainda que as mudanças devem afetar negativamente a dinâmica econômica. O comportamento do mercado de trabalho influencia diretamente a própria demanda agregada, tendo consequências sobre a pobreza, a desigualdade e a distribuição de renda. A redução dos empregos formais amplia as inseguranças e a precariedade, produzindo um forte impacto sobre o mercado de consumo.

“Salário não é só custo, também cria demanda, é renda. O salário tem o poder de dinamizar o mercado interno. Se você fragiliza a remuneração, você afeta o mercado interno. Então dizer que isso vai resolver o problema do crescimento econômico não tem nada a ver. A economia pode até crescer, mas por outros fatores”, disse Krein.

Segundo o dossiê, o estreitamento do mercado de consumo pela ausência de demanda forçará um processo de reconcentração de renda em mãos do capital, comprometendo o próprio desenvolvimento e aumentando os níveis de pobreza.

“Além disso, com a queda brutal do consumo, setores inteiros deixam de produzir internamente e migram para outros mercados mais rentáveis. Se não há mercado para os seus produtos, não haverá novos investimentos privados. Paradoxalmente, se todas as empresas seguirem o mesmo caminho, reduzindo direitos e salários a pretexto de impulsionar o mercado competitivo, o principal resultado será a perda de mercado interno para a recessão e a redução do poder de compra da maioria da população”, prevê o texto.

Dano aos cofres públicos

O professor da Unicamp citou também o prejuízo que a reforma pode gerar aos fundos públicos. Isso porque ela vai estimular contratos autônomos, como os de Microempreendedor Individual (MEI), que contribuem muito menos para a Previdência que os contratos com carteira assinada.

“O rebaixamento salarial que as formas precárias de contração promovem tem impacto direto nas receitas da seguridade social, ao mesmo tempo em que o suposto deficit nas contas da Previdência é usado como pretexto para justificar a urgência das reformas. A reforma trabalhista irá afetar de forma decisiva as fontes de financiamento da seguridade e criar imensas dificuldades para os trabalhadores conseguirem comprovar tempo de contribuição”, afirma o dossiê.

A reforma, portanto, seria contraproducente em relação às mudanças nas aposentadorias que o governo tenta aprovar. “Vai afetar negativamente as fontes de financiamento da Previdência. Mas não só. Vai afetar negativamente outros fundos sociais importantes. Por exemplo, na folha salarial, está o Salário Educação, que é de 2%, e financia o Fundeb”, alertou.

Krein acrescentou que a reforma trabalhista deve ter impactos também sobre o Imposto de Renda de Pessoa Física, porque vai estimular a remuneração variável e o pagamento por formas que não são consideradas salário. “Vai afetar negativamente o fundo público, ou seja, afeta a possibilidade de fazer política social. E ela também é contraproducente nesse esforço de ajuste fiscal, embora sejamos contra esse ajuste fiscal”.

Ataque à organização e à Justiça do Trabalho

O governo também tem dito que a prevalência do negociado sobre legislado, estabelecida pela nova lei, fortalecerá sindicatos. O economista, contudo, se opõe à afirmação. “Isso vai tornar o mercado de trabalho mais heterogêneo, e os sindicatos terão menor poder de barganha e negociação. Se o sindicato incomodar, as empresas poderão dizer: terceiriza, joga para outra categoria, fragmenta. Então isso fragiliza”, contesta.

A lei 13.467 também atinge frontalmente a Justiça do Trabalho. “A proposta de reforma, por um lado, rompe com o princípio da gratuidade ao adotar normas processuais que colocam obstáculos ao direito constitucional de livre acesso ao Judiciário Especializado; por outro lado, estabelece regras à interpretação dos juízes e dos tribunais do trabalho limitando a ação daqueles que buscam zelar pelos princípios incorporados pela Constituição de 1988. Por fim, a reforma burocratiza o processo do trabalho, abrindo a possibilidade de o juiz se tornar um mero homologador de acordos extrajudiciais”, coloca o dossiê.

Defensores da reforma, em especial empregadores interessados em suas consequências, avaliam que as alterações darão maior segurança jurídica às empresas. “A Justiça do Trabalho foi criando uma certa perpetuação da legislação, no sentido de criar um mercado de trabalho não tão predatório. Mas ela é uma pedra no sapato das empresas, impedidas de fazer o que bem entenderem”, rebateu Krein. “A segurança jurídica buscada pelas empresas significa deixar os trabalhadores na total insegurança, para que o empregador possa fazer o que quiser”, completou.

Segundo dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2016, 49,43% das demandas trabalhistas, computada toda a Justiça do Trabalho, decorrem do não pagamento das verbas rescisórias pelos empregadores. Em seguida, estão os pedidos de pagamento de horas extras prestadas e o reconhecimento do vínculo de emprego em relações burladas.

“O excesso de demandas trabalhistas no Brasil é, na realidade, fruto do descumprimento sistemático de direitos essenciais dos trabalhadores brasileiros”, aponta o estudo do Cesit.

Ponte para o passado

Para o governo, que assimilou o discurso das entidades patronais, a reforma promove uma “modernização” das leis trabalhistas. Segundo o professor da Unicamp, não é bem assim. E essa tal “modernização” leva o país de volta ao século 19.

“Esse é um termo que a gente nem utiliza, porque o significado de modernização nessa relação capital-trabalho é historicamente datado. É o século 19. É criar condições para submeter os indivíduos ao assalariamento. Ou seja, pressionar, tirar todo o sistema de proteção, fazendo com que os indivíduos não tenham nenhuma outra estratégia de sobrevivência a não ser se submeter ao assalariamento. A modernização é justamente a volta ao século 19, criando uma situação de absoluta instabilidade no indivíduo, permanentemente em risco, para ele aceitar aquilo que as empresas querem fazer, que é ter mais liberdade de manejar a força de trabalho de acordo com suas necessidades”, criticou.

Questionado sobre o que ele espera que acontecerá logo após a entrada em vigor da nova legislação, o pesquisador previu que alguns empresários devem logo tentar substituir os trabalhadores, fazendo novos tipos de contrato, mais flexíveis e com menos exigências.

“Mas a lógica da empresa é da busca da competitividade e desestruturar o mercado de trabalho pode trazer problemas. Há companhias terceirizaram seus serviços, por exemplo, mas voltaram atrás, porque as reclamações de clientes aumentaram e alguns processos terceirizados não funcionaram”, ponderou.

Na sua avaliação, os patrões vão buscar legalizar uma série de práticas que já desenvolviam, mas que podiam ser objeto de questionamento, como a própria terceirização indiscriminada. “Os empregadores terão à sua disposição um grande cardápio para gerir a força de trabalho de acordo com a forma como precisarem, do ponto de vista da contratação, da jornada e da remuneração. Eles vão utilizar isso conforme for mais conveniente. Com isso, os trabalhadores estarão submetidos às inseguranças do mercado e à precarização do trabalho”, encerrou.

 
Por Joana Rozowykwiat  Do Portal Vermelho

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