• 23 de novembro de 2024

Brasil corre risco de voltar ao Mapa da Fome da ONU

 Brasil corre risco de voltar ao Mapa da Fome da ONU

Fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1993, a ONG Ação da Cidadania relançou no último domingo (15) a campanha Natal Sem Fome, em parceria com a Organização das Nações Unidas, para arrecadar alimentos que serão distribuídos em dezembro. A campanha havia sido encerrada em 2007, devido à redução da pobreza no país.

Segundo o filho de Betinho, Daniel de Souza, a iniciativa foi retomada para tentar evitar que o Brasil retorne ao Mapa da Fome, um levantamento realizado pela ONU que identifica onde vivem os milhões de pessoas que ainda passam fome no mundo.

Para a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Tereza Campello, o relançamento da campanha de Betinho, que ficou conhecida pelo lema “Quem tem fome tem pressa”, é resultado do crescimento do desemprego e do subemprego, e da destruição de políticas sociais levadas a cabo pelo governo Temer. Para ela, o retorno acende a luz amarela para alertar a sociedade sobre a gravidade do tema.

“O combate à fome tinha sido assumido pelo Estado, que agora abandonou. O que é que está acontecendo? Um golpe político que destrói políticas públicas voltadas para a população mais pobre. Ficam mais evidentes do que nunca as razões desse golpe, que não tinha nada a ver com questões envolvendo a presidenta Dilma. Tinha a ver com a interrupção de um processo de inclusão social e de distribuição da renda nesse país. É isso que o golpe está fazendo, impedindo que o orçamento público vá para a população pobre.”

Ela lembra que foi a atuação de Betinho que fez com que o combate à fome entrasse de vez na agenda política brasileira. “Ele fez um grande movimento com a ideia não só de distribuir alimentos no Natal, mas de chamar a atenção da sociedade para um problema que existia, no Brasil, e a gente não podia ficar omisso em relação a ele”, afirma.

“A fome já está voltando ao Brasil. A quantidade de gente desempregada e em situação de subemprego significa gente sem dinheiro para comprar comida. As pessoas já cortaram os supérfluos, e estão cortando a comida. Estão comendo o que é possível comer. Em geral, comida barata e de baixa qualidade nutricional.”

Segundo a ex-ministra, as ações de combate à fome que se iniciaram no governo Lula, com os programas Fome Zero e o Bolsa Família, são também frutos da luta de Betinho. A questão mais decisiva, destacada pelo organismos internacionais, segundo ela, foi a vontade política para enfrentar o problema. Tereza lembra que o termo “combate à fome” foi excluído do nome oficial do ministério de Desenvolvimento Social, o que indica que o desprezo do governo por essa agenda.

Ela diz que não foi só o Bolsa Família, mas um conjunto de políticas que inclui a valorização do salário mínimo, da formalização do emprego, ampliação das aposentadorias e outros benefícios para idosos e deficientes que garantiu à população melhorias na alimentação.

“Aumentando a renda da população, a primeira coisa que a pessoa de baixa renda faz é melhorar a sua alimentação, comprando carne uma vez mais na semana, comprando frutas e verduras para as crianças. O rico não, se ganha mais dinheiro, compra um carro novo”, compara Tereza.

Já o ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável por desenvolver políticas de estímulo à agricultura familiar, perdeu importância e virou uma secretaria subordinada à pasta da Casa Civil no governo Temer. A ex-ministra lembra que são esses pequenos agricultores que produzem a maior parte dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro. “Nós não comemos soja ou farelo de trigo (produzidos pelo agronegócio). Comemos arroz, feijão, verduras, frutas. Quem produz isso tudo no Brasil? O agricultor familiar.”

Para estimular a produção da agricultura familiar, destacou a ministra, o governo criou em 2003 o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que prevê a compra do excedente dos pequenos produtores, depois distribuídos à população mais vulnerável ou destinados à formação de estoques estratégicos de alimento, regulando também o preço.

O PAA, que chegou a contar com recursos anuais de cerca de R$ 700 milhões, tem previsão orçamentária, para o ano de 2018, de apenas R$ 750 mil, o que, segundo Tereza, sequer cobre os custos administrativos do programa. As consequências desse desmantelamento ainda não foram plenamente sentidas, ressalva a ex-ministra, que prevê que o Brasil deve enfrentar os dois problemas alimentares extremos, a fome e a obesidade.

Apesar de louvar a iniciativa da Ação Cidadania, a ex-ministra diz que o combate à fome não é um problema que pode ser resolvido apenas com o empenho da sociedade civil, mas só por meio do fortalecimento de políticas públicas capitaneadas pelo estado. Ela diz que o enfrentamento dessa questão é urgente, pois afeta o futuro do país.

“A gente tem que tomar medidas hoje, porque, como diria o Betinho, quem tem fome tem pressa. Cada vez que uma criança passa fome, ela tem todo o seu futuro prejudicado. Uma criança com desnutrição crônica tem todo o seu desenvolvimento físico e intelectual comprometido. Ele nunca mais será o adulto que poderia ser.” Tereza diz ainda que o remédio para a fome é “alimento de verdade”, e não ração, criticando o programa do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

A ex-ministra diz ainda que a campanha Natal Sem Fome deve sensibilizar as classes médias das grandes cidades, que se assombram em ver as pessoas vivendo nas ruas, mas a maioria dos famintos em potencial enfrenta também a “invisibilidade”.

“A pessoa pega o seu carro de manhã e volta a ver o que não via há algum tempo, crianças e idosos em situação de indigência. Mas a maioria dos famintos não está aí, está na periferia da periferia e nas regiões áridas do Nordeste, onde ninguém vê. É a população que vai ser mais duramente atingida pela fome continuará invisível”, alerta Tereza, que sonha em ver a campanha de Betinho ser suspensa novamente o mais breve possível.

Já é possível fazer doações pelo site da campanha Natal sem Fome ou nos postos de coleta espalhados por vários estados brasileiros. A meta é arrecadar 500 toneladas de alimentos, que serão distribuídos no dia 16 de dezembro.

Rede Brasil Atual

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