• 23 de novembro de 2024

Se a Selic está caindo, por que os juros do cartão de crédito continuam tão altos?

 Se a Selic está caindo, por que os juros do cartão de crédito continuam tão altos?

O Governo de Michel Temer vem comemorando sucessivos anúncios do Banco Central de corte da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic. De 14,25% ao ano em outubro do ano passado, ela chegou a 8,25% em setembro deste ano e a expectativa é que termine 2017 na casa dos 7%. A taxa, entretanto, não representa exatamente a cobrada dos consumidores, que é muito mais alta. Enquanto a Selic despenca, as taxas de juros dos cartões de crédito e cheques especiais, por exemplo, se mantêm em três dígitos ao ano. Para se ter uma ideia, em agosto, a média dos juros do cartão de crédito rotativo – quando a pessoa paga apenas o mínimo da fatura – era de 397,4% ao ano. Isso significa que se uma pessoa deixa de pagar atualmente 500 reais da conta do cartão em um mês verá sua dívida chegar a quase 2.500 reais em um ano.

Apesar de servir como referência para todas a outras taxas praticadas – tanto no crédito quanto nos investimentos – a Selic é apenas um dos componentes para determinar o valor delas. No caso dos cartões de crédito e cheques especiais, as taxas dos juros são livres e estipuladas pelos próprios bancos, não existindo assim qualquer controle de preços ou tetos para o valor cobrado. A única obrigatoriedade que a instituição tem é a de informar aos clientes quais são os juros aplicados caso ele decida recorrer a qualquer tipo de crédito. Os bancos brasileiros, os principais operadores dos cartões, não explicam, no entanto, detalhadamente os critérios da taxa.

Segundo a economista Juliana Inhasz, professora do Insper, os cortes da Selic podem chegar a influenciar a longo prazo na queda dos juros de empréstimos e do cartão, mas no curto prazo três fatores são determinantes para manter os juros do crédito nas alturas:

1. Inadimplência: junto com o crescimento do desemprego, subiu o número de pessoas que não conseguem honrar seus compromissos financeiros. Atualmente, 59,1 milhões de brasileiros possuem contas em atraso e estão registrados nos cadastros de inadimplentes. O número elevado representa quase 40% da população adulta do país, segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). “Como essa taxa de inadimplência aumentou durante a crise, é natural que os bancos aumentem seus juros, porque o risco deles levarem o calote de créditos é maior”, diz a professora.

2. Disponibilidade de recurso: quão fácil ou difícil é para o banco conseguir o dinheiro para emprestar. “Nos últimos dois anos, vimos recuo da massa salarial muito forte e uma queda do desemprego muito acentuada. As pessoas deixaram de guardar dinheiro porque perderam fontes de renda. Então a disponibilidade de recursos para os bancos ficou menor”, explica. Ao mesmo tempo, há uma demanda por empréstimos grande, dessa forma, pela lei da oferta e da procura, a taxa cobrada naturalmente sobe.

3. Concentração dos bancos: o Brasil possui hoje poucos bancos no sistema financeiro. No fim do ano passado, as quatro maiores instituições financeiras – Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Caixa Econômica Federal – detinham praticamente 80% do mercado de crédito brasileiro. Com pouca concorrência, eles acabam cobrando taxas mais caras. “A Febabran [Federação Brasileira de Bancos] diz que as taxas são mais altas, pois o sistema bancário é mais conservador, mas a verdade é que essa concentração de poucos bancos é bem relevante na hora de analisar taxas de juros tão excessivas. Eles também querem lucrar”, explica Juliana Inhasz.

Campeão na cobrança de juros

A taxa aplicada atualmente pelos bancos é tão alta que tornou o Brasil em um dos campeões na cobrança de juros de cartão de crédito no mundo. Um estudo da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) comparou, no ano passado, os valores aplicados em outros seis países da América Latina (Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela) e identificou que a maior taxa de juros no rotativo do cartão é disparada a do Brasil. Enquanto aqui a média anual de rotativo era de 436%, a praticada no Peru, que aparecia em segundo lugar do ranking, era uma cobrança de 43,7% no mesmo período. Em terceiro lugar no ranking estava a Argentina com 43,29% na média anual. Em quarto lugar ficou a Colômbia, com 30,45% ao ano. Mesmo na Venezuela que passa por crise uma grave crise política e econômica tem juros de 29% ao ano. A média no Chile é de 24,90%. Para o Proteste, esses juros extremamente altos cobrados no crédito rotativo no Brasil são uma das causas do crescente endividamento dos brasileiros.

Um levantamento do SPC mostrou ainda que metade dos usuários recorrem ao cartão de crédito para adquirir produtos que não conseguem comprar à vista ou quando o valor da compra é alto (40%). Essa decisão pode acabar se tornando uma armadilha para o consumidor que não consegue honrar o pagamento da fatura no fim do mês.

Novas regras

Para tentar diminuir o valor de endividamento dos brasileiros, desde o início de abril deste ano, o Banco Central adotou novas regras para o crédito rotativo do cartão. Agora, o consumidor não pode permanecer por mais de 30 dias no crédito rotativo. Dessa forma, caso ele tenha realizado o pagamento do valor mínimo da fatura, no mês seguinte terá que lidar com o restante da dívida – seja pagando de forma integral ou por meio de um parcelamento acordado com o banco, mas com juros menor que os praticados no rotativo, evitando um efeito de bola de neve da dívida. Desde que a medida foi imposta, a média das taxas diminuiu. Segundo Francisco Terra, diretor de finanças da Bradesco Cartões, ainda é cedo para avaliar se parte da queda das taxas se deu pela nova regra já que a liberação das contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para cerca de 10 milhões de pessoas ajudou aos consumidores a quitarem algumas dívidas, o que fez a inadimplência recuar um pouco e diminuir os juros.

A economista Juliana Inhasz acredita que a mudança pode ajudar as pessoas a se endividarem menos, mas pondera que quem não tiver dinheiro para quitar a dívida terá que pedir outro tipo de empréstimo para pagar a fatura do cartão. “Trocarão uma dívida pela outra, mudando apenas o nome do problema”, diz. A taxa de juros do novo compromisso, no entanto, é mais barata.

Questionado por que os juros do rotativo não regular do cartão do Bradesco chegavam a 430% ao ano – um dos maiores entre os principais bancos brasileiros – no fim de setembro, Francisco Terra disse que essa categoria “é justamente a dos inadimplentes que não pagam”, logo o risco para a instituição financeira é maior, precisando ser compensado com uma taxa maior. Terra afirmou ainda que o banco tem tentado trabalhar  fortemente na educação financeira dos seus clientes para evitar o endividamento por meio de cartões de crédito.

El Pais

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