Temer tropeça de novo em denúncia por corrupção e inquérito por lavagem de dinheiro
Supremo autoriza investigação por suposta propina em Decreto dos Portos
PF diz que o presidente foi receptor de 31,5 milhões de reais ilícitos junto com Cunha
Fortalecido politicamente pela possível anulação da delação da JBS, o presidente Michel Temer (PMDB) iniciou a terça-feira com um duro comunicado assinado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Nele,Temer reclamou que tem sido acusado sem ser ouvido, afirmou que garantias individuais estão sendo violadas e que “facínoras roubam do país a verdade”. O que o presidente não contava era que horas mais tarde o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizasse a abertura de mais uma investigação contra ele, desta vez pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva. Ao todo, Temer responde a pelo menos dois inquéritos e a uma denúncia – por esta, no entanto, só poderá ser responsabilizado após o término do mandato por decisão da Câmara dos Deputados.
A autorização do STF, assinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, baseia-se na suspeita de que o presidente da República teria recebido propina para assinar o Decreto dos Portos e beneficiar a empresa Rodrimar, que atua no porto de Santos, no litoral de São Paulo. Além dele, são investigados neste caso seu ex-assessor especial, ex-deputado federal e antigo homem de confiança do peemedebista, Rodrigo Rocha Loures — o mesmo que foi pego com uma mala de meio milhão de reais entregue pelos irmãos Batista —, e dois nomes vinculados à Rodrimar: Ricardo Conrado Mesquita e Antonio Celso Grecco.
Na decisão, Barroso alegou que há interesse social nesta apuração, reforçou que a abertura de um inquérito não implica em prejulgamento nem rompe com o princípio de presunção de inocência: “A ninguém deve ser indiferente o ônus pessoal e político de uma autoridade pública, notadamente o Presidente da República, figurar como investigado em procedimento dessa natureza. Mas este é o preço imposto pelo princípio republicano, um dos fundamentos da Constituição brasileira, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e exigir transparência na atuação dos agentes públicos”.
Esta pode ser considerado um segundo revés do presidente em dois dias. Na segunda-feira, a Polícia Federal concluiu que Temer fora o receptor de 31,5 milhões de reais ilícitos provindos do grupo criminoso que foi batizado dequadrilhão do PMDB da Câmara. Ele e Eduardo Cunha, o ex-deputado que está preso pela Lava Jato em Curitiba, seriam os articuladores dessa organização, responsável por receber propina.
As investigações da PF mostraram que Temer possuía o poder de decisão do PMDB na Câmara. Ele foi apontado como o responsável por indicar pessoas para cargos estratégicos e por ser a ponte entre os políticos da legenda e empresários envolvidos nos esquemas de distribuição de valores legais (doações eleitorais) e ilegais. Em um esboço elaborado para facilitar a compreensão dos investigadores, a PF juntou outros 12 investigados e mostrou que todos eles seriam de alguma maneira vinculados a Temer, inclusive dois de seus ministros, Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil). Todos negam as acusações, enquanto Temer reforça a imagem da “serenidade” de quem não tem nada a esconder.
O Planalto, inclusive, sentiu-se à vontade para soltar o comunicado na manhã desta terça falando em “facínoras”, o que em princípio parece remeter a Joesley Batista, mas também alfinetando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. No mesmo comunicado, o texto diz que “bandidos constroem versões ‘por ouvir dizer’ a lhes assegurar a impunidade ou alcançar um perdão, mesmo que parcial, por seus inúmeros crimes”. Ainda que sem ter sido citado textualmente, Janot voltou a seu estilo habitual e também mandou recados: “As instituições estão funcionando. As reações também têm sido proporcionais. Como não há escusas pelos fatos descobertos e que vieram à luz, tanto são os fatos e tão escancaradamente comprovados, que a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”. Em reta final de seu mandato, o procurador não nominou nenhum de seus alvos.
No fim de semana, Janot foi fotografado em um encontro, em um bar de Brasília, com o advogado Pierpaolo Bottini, um dos defensores do empresário Joesley Batista, da JBS. O flagra serve para embasar a tese da defesa do presidente de que deve ser declarada a suspeição do procurador na investigação contra Temer e que a delação da JBS não poderia embasar uma segunda acusação criminal contra o peemedebista. Os dois assuntos serão julgados nesta quarta-feira pelo plenário do STF.
Terreno amigo
Se no Judiciário Temer tem uma atitude ofensiva, no Congresso ele demonstra estar tranquilo. Nesse contexto, já é certo que qualquer eventual segunda denúncia do Ministério Público Federal contra o presidente será novamente engavetada pelos deputados federais.
Nesta terça, a sua tropa de choque garantiu a presidência da CPMI da JBS, com o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) e a relatoria do mesmo colegiado, com o deputado Carlos Marun (PMDB-MS). A base aliada do Governo conseguiu aprovar quase todas os requerimentos de convocações colocados em análise nesta terça-feira. O consenso entre ela é de que o grupo focará a investigação para descredenciar os acordos de delação que envolvam Temer e seus aliados, além de tentar constranger Janot e políticos do PT.
Em um primeiro momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a ser convocado pela CPMI. Mas um acordo firmado com petistas fez com que seu nome fosse excluído do rol de investigados. Em troca, concordaram em convocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho.
O único senão para Temer neste grupo foi o problema com parte da sua própria criado pela escolha do deputado Marun como relator. Receptor de doação eleitoral da JBS, o deputado foi um dos principais defensores do presidente na Câmara nos últimos meses. Por essa razão, dois senadores de partidos governistas, Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Otto Alencar (PSD-BA), anunciaram os seus desligamentos do colegiado. Ambos alegaram que a investigação será “chapa branca”.
“À medida que você bota chefe da tropa de choque como relator para fazer isso ou aquilo, fica evidente que essa investigação será parcial”, afirmou Ferraço. “É um jogo combinado para, de alguma forma, absolver os amigos e penalizar os adversários. O que adianta eu fazer uma oposição por um jogo de cartas marcadas? Absolutamente nada”, complementou Alencar.
“FACÍNORAS ROUBAM DO PAÍS A VERDADE”
Eis a íntegra da nota da Presidência:
O Estado Democrático de Direito existe para preservar a integridade do cidadão, para coibir a barbárie da punição sem provas e para evitar toda forma de injustiça. Nas últimas semanas, o Brasil vem assistindo exatamente o contrário.
Garantias individuais estão sendo violentadas, diuturnamente, sem que haja a mínima reação. Chega-se ao ponto de se tentar condenar pessoas sem sequer ouvi-las. Portanto, sem se concluir investigação, sem se apurar a verdade, sem verificar a existência de provas reais. E, quando há testemunhos, ignora-se toda a coerência de fatos e das histórias narradas por criminosos renitentes e persistentes. Facínoras roubam do país a verdade. Bandidos constroem versões “por ouvir dizer” a lhes assegurar a impunidade ou alcançar um perdão, mesmo que parcial, por seus inúmeros crimes. Reputações são destroçadas em conversas embebidas em ações clandestinas.
Muda-se o passado sob a força de falsos testemunhos. Vazamentos apresentam conclusões que transformam em crimes ações que foram respaldas em lei: o sistema de contribuição empresarial a campanhas políticas era perfeitamente legal, fiscalizado e sob instrumentos de controle da Justiça Eleitoral. Desvios devem ser condenados, mas não se podem criminalizar aquelas ações corretas protegidas pelas garantias constitucionais.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República
Por AFONSO BENITES
Fonte: El Pais