• 22 de novembro de 2024

“Um circo”, resume o jurista Dalmo Dallari sobre denúncia de Janot

 “Um circo”, resume o jurista Dalmo Dallari sobre denúncia de Janot

Foto: Marcelo Camargo/EBC

Em 17 de setembro, Rodrigo Janot deixa a Procuradoria-Geral da República (PGR). Até junho deste ano, o procurador-geral que fechou o “super acordo” de colaboração premiada da JBS, tido como ponto alto da Operação Lava Jato no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), sairia do cargo fortalecido. Mas a expectativa não correspondeu à realidade.

O que seria a glória, se transformou no pesadelo de Janot. Tanto é que num discurso de despedida do Conselho Nacional do MPF, nesta terça-feira (5), Janot usou a palavra medo para explicar as suas decisões. E foi justamente o acordo de delação premiada, instrumento que tem sido a principal ferramenta de criminalização da política, o estopim da crise do procurador.

Para desviar o foco do que caracterizaria como o seu desastre, Janot lançou mão do Ctrl C e Ctrl V na denúncia dos procuradores de Curitiba e denunciou Lula, Dilma Rousseff outros dirigentes do PT por “organização criminosa”.

“Um circo”, resumiu o professor Dalmo Dallari, jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP. “Há um circo, mas sem nenhuma seriedade. Lamentavelmente, vemos a utilização de instrumentos de garantias dos direitos usadas para o espetáculo, para o circo”, destacou Dallari.

Segundo ele, a atuação do procurador é um desserviço ao Brasil, que compromete às instituições e a segurança jurídica.

“Já fiz críticas ao procurador Janot e aquele acordo absurdo que ele fez com os irmãos Batista, compromete-se inclusive a não entrar com ação judicial, o que é absolutamente inconstitucional. Acho que nesse momento, está se prestando um desserviço à normalidade jurídica brasileira”, acrescentou.

Abafa e proteção da mídia

A denúncia contra Lula e Dilma e outros dirigentes tem 230 páginas e transforma os 14 anos de governo em “organização criminosa”, sendo o Lula o chefe. O roteiro segue o script da famigerada apresentação do powerpoint apresentado pelos procuradores de Curitiba, que diziam ter “convicções”, mas não ter provas.

Era previsível que Janot apresentasse tal denúncia, a julgar pela conduta que adotou durante o processo de impeachment. No entanto, a apresentação deve ter sido antecipada para abafar as quatro horas de conversas entre o empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o diretor de Relações Institucionais da empresa, Ricardo Saud, que desmontam a imagem fabricada em torno do MPF nos últimos anos.

Para o jurista e professor da USP Gilberto Bercovici, com o acordo de delação enfraquecido, Janot denunciou Lula e Dilma para tentar garantir a proteção da mídia.

“A denúncia do Joesley fez água porque Janot meteu os pés pelas mãos. Agora está querendo proteção da mídia porque o Temer vai pra cima dele. Ele quer proteção da Globo”, disse Gilberto.

Para o jurista, a denúncia é mais uma tentativa de criminalizar a esquerda. Ele aponta como exemplo dessa perseguição, os casos envolvendo lideranças da direita, que não tem o mesmo tratamento por parte do MPF.

“O mensalão do PSDB não deu em nada. O Aécio está solto. Contra FHC não acontece nada. É uma criminalização da política, mas apenas para alguns. Apenas para a esquerda”, disse.

Feitas supostamente sem que os interlocutores soubessem que estavam gravando, a gravação foi parar no processo de acordo de delação. Como isso aconteceu ainda é um mistério. Porém, acreditar que foi um mero engano é subestimar a capacidade de manobra desses “executivos” que tratavam a República como cartas num jogo em que só eles vencem.

Há quem diga que o fato da Polícia Federal ter recuperado conversas gravadas pelos executivos, a defesa decidiu incluir os áudios no processo numa demonstração que compromisso com o acordo, para não perder os benefícios.

Os áudios deixaram Janot na berlinda e o seu super acordo de delação ficou comprometido, não somente pela ação dos delatores, mas por um membro do MPF e seu braço direito, o ex-procurador Marcelo Miller, que trabalhou com ele por três anos, sendo responsável pelos acordos de delação de Sérgio Machado, que tratou do “estancar a sangria da Lava Jato”, Delcídio Amaral, Ricardo Pessôa e participou do início das tratativas com Odebrecht e OAS.

Em vários trechos das conversas, Joesley e Saud – gravada em 17 de março deste ano, quando o Miller ainda estava na PGR – falam sobre o procurador. Ele deixou a PGR em abril deste ano e passou a atuar no escritório de advocacia Trench Rossei e Watanabe, justamente o escritório que atende a JBS, ganhando a bagatela de R$ 110 mil. Foi demitido quando o caso veio à tona.

“Por isso é que eu quero que nós dois temos que estar 100% alinhado. Nós dois e o Marcello, entendeu? É, mas nós dois temos que operar o Marcello direitinho pra chegar no Janot e pá. Tã tã tã. Eu acho – é o que eu falei pra Fernanda [advogada da JBS], é o que eu falei pro… Nós nunca podemos ser o primeiro. Nós temos que ser o último… Nós temos que ser a tampa do caixão. Falei pra Fernanda: “Fernanda, nós não vamos ser nunca quem vai dar o primeiro tiro. Nós vai ser quem vai dar o último tiro. Quem vai bater o prego da tampa”, disse Joesley em um trecho da conversa.

Saud, por sua vez, acrescentou: “O Marcello está ajeitando”.

A conversa gravada no dia em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca, revelou as “traquinagens” – termo usado por Joesley para definir a sua corrupção – para se livrar da cadeia e que contava com um informante na PGR, enquanto negociavam a delação.

Provada ou não a atuação de Miller, o diálogo deixou Janot diante de uma situação difícil perante o Supremo Tribunal Federal, que viu a sua credibilidade ameaçada pelas conversas e citações de Joesley. Além disso, a segunda denúncia contra Michel Temer se transforma numa bomba-relógio. Com prazo de validade vencendo, Janot tem que passar o cargo para a sucessora, Raquel Dodge, mas se não apresentar a denúncia corre o risco de ter a sua imagem ainda mais arranhada.

Por Dayane Santos

Do Portal Vermelho

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